sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

À une vie extraordinaire - Passagem, 17


Ela corria desesperadamente já não sabia há quanto tempo. O balão havia se perdido pela imensidão azul, se quer deixara sinais de sua passagem. Seus pés ardiam e as pontas dos dedos latejavam em virtude das migalhas estelares que se espalhavam sobre o chão.
"Não é possível, não é possível, não é possível", ela pensava enquanto corria protegendo os olhos dos raios de sol com as pequenas mãos tostadas. A paisagem, apesar de fantástica a entristecia - não sabia se pelo cansaço ou pelo desespero. A estrada refletia uma cor verde a se perder de vista, composta por pequenas pedrinhas vítreas e translúcidas, mas que, de alguma forma, brilhavam como esmeraldas. Deixara o vilarejo há algumas horas e a vista, de certa forma, não mudara muito. De onde estava, seguia às margens da estrada uma pequena cerca de cada lado, albergando uma plantação de trigo. Sob os raios de sol, parecia a visão do mais magnífico "El dorado". O céu estava limpo e de um azul intenso, mas pacífico e não avistava nuvens em quilômetros. Sentia-se exausta, com sede, fome, calor, medo e solidão - precisava descansar.

Após certo tempo que não sabia precisar, ela ainda corria quando algo chamou sua atenção. A plantação de trigo à sua direita, que passara a milharal, de repente abria uma espécie de oasis com uma árvore de copa gigantesca em seu centro e, como não bastasse, ouviu um barulho que acalentou seus ouvidos - um riacho passava por ali. Ela gastou suas últimas energias, consumiu as últimas cinco gotas de saliva que restavam em sua boca ressecada e seguiu em direção a sombra, a qual a recebeu como uma acolhedora mãe. O riacho não era largo, era bem estreito na verdade e não era fundo, sem pensar duas vezes ela correu até ele e afundou seus pés em suas águas cristalinas. A sensação era de uma refrescância sem precedentes, ela sentou-se ali mesmo e deitou de costas, sentindo o incrível toque das águas por seus cabelos dourados. Ficou parada olhando para cima, observou as folhas verdes da árvore, não sabia se era uma sequóia ou um salgueiro, mas era a melhor árvore de sua vida. Por entre as palhetas esverdeadas observava os traços azuis do céu que tanto a perseguira e pensava no balão que a abandonara cruelmente. "Será que ela já está longe daqui? Por que me deixou aqui? Por que?", ficou repetindo em voz alta até que, subitamente, desabou em um choro profundo como nunca havia tido.

Perdera a noção de quanto tempo chorou, o que era bom, pois o tempo nunca foi seu amigo mais próximo. Seu corpo estava melhor, a garganta já não ardia e a fome foi morta com pequenas amoras encontradas à beira do riacho. Estava perplexa com tudo. Não entendia aquele lugar, não sabia ao certo porque diabos foi parar ali, não entendia porque havia sido deixada pra trás naquela fuga tão bem planejada... tão bem arquitetada como sua vinda. Sim, naquela época - que não se lembrava ao certo quando e nem onde foi - conversavam sobre uma fuga, sobre a dificuldade da vida e seus pesares. Claro, havia uma dor de amor, muita mágoa e lágrimas, mas prometeram não se separar, largar tudo que tivessem e fugir... mas, fugir, como? Sim, pelos céus, um balão... o plano fantástico era roubar um balão da velha fábrica de balões a gás que era usados para fazer passeios sobre o "Cânion das Desesperanças", bem perto de sua casa. Tinha pequenos flashes de tudo, mas sabia que saíram de suas casas no meio da madrugada, sem notas de adeus ou suicídio, apenas um bom quarto arrumado e os livros com dedicatória alinhados nas estantes. Já haviam escolhido o balão com losangos coloridos, ele as levaria pra longe, era sua salvação - não imaginavam, porém, que poderia levá-las para longe de si mesmas. Os enormes cães que tomavam conta do lugar eram seus cúmplices, facilmente vendidos pelo cheiro da liberdade e um bom afago. Abriram as portas do depósito, colocaram um belo garanhão marrom puxando a carroça sobre a qual estava o balão e a levaram para beira do penhasco.

- É isso! Vamos, vamos!

Jogaram as mochilas carregadas com livros, cadernos, cigarros e comida - claro, a flauta e o ukulele também estavam ali. As estrelas brilhavam tão forte sobre as duas, que pareciam sorrir dando boas vindas à sua empreitada.

- Será que devemos fazer isso? Sério, e se o balão cair? Nunca andamos em uma porcaria dessas! Mas, estou tão cansada de tudo... mas, pra onde vamos? Pra onde esses ventos vão nos levar? Vale à pena? Pra onde esse sonho, essa fuga nos transportará? Fala comigo!!

"À une vie extraordinaire", ela respondeu sorrindo. Rapidamente pulou no pesado cesto, ligou o motor e ficou admirada observando a chama azulada que levantava aquele gigante que as salvaria de tudo e todos. Em questão de segundos ele estava pronto. As duas, dentro do cesto, observavam a distância, o céu e a lua. Era isso, aquela era a hora. Soltaram as cordas presas em pesados sacos de areia, as amarras que prediam-nas àquele lugar e àquela vida.

Vagarosamente, pairavam sobre o Cânion das Desesperanças, lançando ali, todas as suas apostas.

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