quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Duo - Passagem, 18


Ela falava de dias que não lembrava, eram apenas traços de um vento bem longe, mas sem distinção. Parecia mais uma vez ser tudo do mesmo e disso estava cansada. Bem, cansada estivera há uns dois meses, agora já não sabia qual palavra definia melhor.

Ele queria correr do tempo, sem perceber que assim, já estava agindo de acordo com suas regras maléficas - fato que temia descobrir a qualquer instante. Queria falar de livros, ler e ler mais, queria escrever com calma em Big Sur, como se isso fosse trazer inspiração divina e iluminada.

Inspiração, era isso que faltava...inspiração e encantamento, o velho e conhecido tesão.

Ele planejava sair mais cedo do serviço, ir àquele café alternativo, tomar café e cerveja com seu amigo de longe, falar sobre o mundo e sobre nada, planejar uma nova viagem ou a construção de um bote de madeira.

Ela pensava nos horrores do mundo e na chance de salvação para cada alma desgarrada e frágil - ninguém é frágil, tinha certeza disso e o simples pensamento a horrorizava.

Ambos sonhavam com um plano que não existia e, na verdade, não queriam planos. Pregavam sobre a liberdade dos passos e da chuva, mas fazia tempo que não se molhavam. Não se conheciam, viviam em cidades diferentes, mas caso o mundo se alinhasse de forma magnífica, o sol se mantivesse por mais algumas horas e nesse lugar, sob uma lua esplendorosa e brilhante, cantando sobre o mundo oriental e as grandes cruzadas, evocando ritos pagãos por todas as terras perdidas e devastadas desse universo alucinado, lá estariam os dois. Dançariam excitadamente sob a tempestade, os relâmpagos caindo a alguns metros, energizando aqueles corpos já ofegantes e sedentos por mais, gritando aos céus sobre seus sonhos e medos e, simplesmente, gritando e cantando sem palavras quanto à felicidade. Ali, sem mais nem menos, poderiam se encontrar e começar uma nova vida, acalentada por outra fé e outro pão.

Eles, se quer, faziam ideia dessas ideias.
Ele queria uma mulher para acompanhá-lo em seu sonho maior de vivenciar esse gigantesco mundo e sua natureza, conversar sobre tudo e todos, escrever sobre tudo e todos, transar em todos os países possíveis, acordar em naturezas distantes e degustar cafés de todos os sabores, doces e amargos, mel e fel.
Ela queria a simplicidade do tempo, a vida plena, o amor de um desbravador, queria uma família nômade, largar toda essa merda de serviço e trânsito, pegar o marido e sumir para a Índia, meditar, caminhar pelas feiras, cozinhar com especiarias e um dia, trazer sua cria ao mundo.

- mas que fosse esse mundo pelo qual sonhava.

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