segunda-feira, 4 de julho de 2016

Passagem, 64 - rochedo e só


Cheguei naquele alto do penhasco. Sim, você se lembra de lá, meses atrás, talvez até alguns anos. Subimos, de mãos dadas, se ajudando, eu escorreguei com meu tênis velho em umas pedras com musgo e você tentou me segurar. Caí sentado no chão, mas demos tanta risada! E ficamos por ali mesmo, contemplando aquele céu de abril, azulado avermelhado alaranjado rosado e todos os "ados" possíveis eu consigo associar àquele céu, àquele dia, àquele nós dois. Tudo estava bom, com pedra, musgo, caindo, sem dinheiro, sem perfume, tênis velho, sem gravata, sem mestrado, sem ser refinado. 

As ondas batiam forte contra as pedras e, desde criança, isso me fascinava. A força da água, a forma como sua cor muda do azul para o branco quando a onda quebra na areia, nos rochedos. Essa força inabalável me fascinava.

- Como você acha que eles vivem?
- Quem?
- Ora, os peixes, as lulas, as àguas vivas, os tubarões, nadando sem parar, sem parar, dia e noite. E à noite? Como deve ser? Já pensou topar com um tubarão no meio da noite? No mar escuro?
- Nossa, deve ser assustador. Se já tenho medo do escuro, imagina no fundo do mar? Só de pensar nessa solidão, já tenho vontade de correr.
- Correr da solidão? É, você faz bem. Ser só, de solidão, não tá com nada. Mas pensa bem, não ia estar sozinha! Tem os peixes, corais e, caramba, pensa nas baleias?! Já pensou que máximo ver uma cachalote? 
- Poxa, claro! Deve ser linda, mas pra mim, ainda não compensa essa solidão.

Não soube mais o que responder. Pra mim, estar só bastaria se fosse pra contemplar tantas belezas. Talvez eu estivesse certo. O mais provável é que estivesse errado. Você, mais uma vez, certeira sobre tudo. Deu sinais, gritou e tentou iluminar tudo. Eu, em meu centro torto, não vi, ou melhor, não quis ver. Sempre fui assim, um bom ouvinte, mas com uma ótima audição seletiva. 

Hoje volto nesse rochedo. As ondas batem da mesma forma e o cheiro do sal penetra fundo em minhas narinas, percorre meus vasos e distribui um pouco da energia do mar. Dessa vez não vim no fim de tarde. O pôr do sol é romântico demais pra mim hoje em dia. Vim cedo, o sol está nascendo e vem com uma brisa fria que faz minha nunca arrepiar. Antes arrepiava com seu cheiro, com o simples fato de te ver. Hoje é o vento que me toca. Vim pra ver o nascer do sol, talvez porque esteja precisando recomeçar; talvez porque precise nascer de novo, um novo eu, um recomeço, quem sabe. Não mudei muito. E sim, ainda admiro o mar, de outra forma. Ainda tenho minhas chatices, pessimismo e sonhos aventureiros. Ainda acredito em muitos impossíveis. 

Sobre a solidão? Ainda acho muito bom estar só, quanto mais se fosse pra ver uma bela cachalote nadando livre pelos oceanos! Como seria maravilhoso vislumbrar essa cena se eu, que questionava tanto seus medos, não tivesse tanto medo de mergulhar e ser engolido por um tubarão branco de dentes gigantescos. Hoje consigo rir disso, dessa cena, como nunca consegui. Sobre a solidão? Bem, queria que pudesse me ver. Apesar de não ter mudado tanto, dessa vez, trouxe meu cachorro pra olhar esse cenário tão bonito. E quer saber? Foi bem melhor não estar só. 

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