segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Passagem, 58 - Hortelã


Ainda que não fosse a beira
Ainda que não houvesse esforço suficiente
Ainda que não visse o céu como amava o mar
Ainda que fosse tarde, tarde da tarde e que
o chá esfriasse na imensidão da xícara esmaltada
Ainda que ela olhasse longe, olhos amendoados perdidos, esperando
Ainda que ele retribuísse os gestos de coragem e saudação
Ainda que fosse tarde, tarde da tarde em que
o mundo iniciou um giro interminável e que as pessoas se desequilibrassem
Ainda que tentassem firmar os pés mal calçados sobre asfalto torto e quente
Ainda que não fosse à beira desse abismo de palavras
Ainda que sentisse frio, calor, ardor, dor
Ainda que "dor" não fosse a melhor expressão daquilo que
ainda pensava compreender, mas daquela vez era
tarde, realmente tarde e, ao olhar distante, sobre a geladeira
os ramos de seu pé de hortelã despontavam pendidos em busca do sol na janela da área de serviço.

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