domingo, 29 de março de 2015

Passagem, 43 - Benjoim

O vazio de quase 40 dias era estranho. O relógio corria sem freios, com o tempo nem ao menos se
dando ao trabalho de acariciar antes das pancadas diárias. Caminhou para uns lados e respirou ares saudosos e nostálgicos.

O mar sempre clareava sua mente.

O sal sempre brindava seu espírito.

Era a hora da volta e da sequência. Bebia café, que esfriava sem que ao menos percebesse, escutava Chopin, as quatro estações de Vivaldi e um alemão bastante agradável, mas de quem não lembrava o nome. Suas gatas e sua cachorrinha o acompanhavam o tempo todo. Pela janela, como susto, percebeu que a noite chegara, calma e sorrateira, deixando a claridade do dia, que mal chegou àquele quarto, esquecida. A lâmpada da luminária já estava quente e a cadeira já tinha o formato de sua bunda. Tudo com ele era brusco, parecia precisar de choques para funcionar, como corpo que estivesse desfalecido ou entregue, ou quem sabe, em um estado de inércia maldito e desagradável que, assim como o tempo, também não deu "ois" ou "tchaus", apenas chegou. Os dedos corriam pelo teclado, como há tempos não fazia, o incenso de benjoim havia apagado - e que diabos era benjoim? - os pernilongos mordiam seus braços e pernas, já desistira de coçar, estavam sugando seus minutos finais de uma vida ingrata e sangrante.

Para ele é um momento de passagem, embora não soubesse ao certo pra onde. O que importava naquele instante era se atirar no maremoto e deixar que as águas da maré o levassem, se adaptando àquele fluxo. Pois já havia aprendido que se não se entregasse àquela loucura, se ficasse tentando resistir, sem se adaptar ao que vivia, não aprenderia a nadar.

E como o mar sempre clareava sua mente e
o sal sempre brindava seu espírito,

deixou-se ir.

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