sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Passagem, 31



A criatividade era um vazio que o afogava aqueles dias, a canalizava por várias veias diferentes, pulsantes e extasiantes. Uma válvula de escape, regada naqueles tempos à chá de camomila, cidreira e frutas vermelhas. Logo de manhã tomava suas pílulas, enchia o peito de ar e saía de casa. O tempo ainda era um mistério sempre presente. Sonhava em escrever um livro, mas não conseguia dar sequência nesse plano, talvez por não ter um plano. Andara descrente de tudo, dos ônibus, dos plásticos e de beijos sem desejo. O ar estava seco e arrebentava sua rinite, o nariz chorando sangue em agradecimento. Observava os gatos caminhando delicadamente sobre o beiral da janela, sentia que podia apreciar aquela dança por horas sem fim. A precisão dos passos, a forma como moviam os bigodes de forma rítmica e uma das coisas que mais chamava sua atenção - as orelhas movendo-se de maneira aleatória, como grandes e belos alto falantes que possuíam a capacidade de filtrar o som e os ruídos e se direcionar àqueles que realmente importavam. No rádio ouvia a frase cantada em inglês - "california's gonna kill you soon", parecia sem sentido, mas foi uma luz em sua mente. Lembrou de Jack cantando entre as árvores que algo bom ainda viria de todas as coisas e que seria dourado e eterno. Não era preciso dizer mais alguma coisa.


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