quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O julgamento - Passagem, 6



Ele ouviu, olhou e cheirou as palavras que saíram daquela boca sedenta, com dentes que rangiam por cabelos e pele e corpo.

- É, pois então, que seja o que vier aos pés do céu e esse, bem bem bem, já não tenho condições de apontar onde está, as línguas maléficas dizem que caiu, despencou sobre o colo de moças alvas e serenas presas em furioso instante de contemplação catastrófica.

Olharam sem entender, não queriam pensar sobre isso ou aquilo. Ela não queria o peso do esforço, era demais para seus braços fracamente irrigados e já não suportava, o mundo era deveras pesado meus caros.

- Claro, olhos mudos e imútaveis, os conheço bem, já me dilaceraram por vezes. Deixo a sombra à frente, que seja, a partir de agora vou caminhar, caminhar, caminhar, caminhar, em meio a qualquer coisa, vou por aí, sem as ou bês do céu amor querida dor que acompanha esses pés cansados, já previa que amanhã o café seria em outro balcão e a manteiga um pouco mais espessa – não há problema, aprecio a variedade.
Levantou-se, afagou o blazer marrom que ganhara de presente há alguns anos (era sem dúvida seu favorito) e caminhou em direção às escadas. Parou naquele patamar e observou as ondas explodindo nos rochedos da piedade, como amava o mar e sempre admirou a força daquelas águas turbulentas que afugentavam centenas de homens, sim, pois poderia ser a última oportunidade de admirá-las – e, se fosse, que fosse. Desceu pé ante pé os velhos degraus de mármore e, aos poucos, aquela já diminuta sensação de tristeza se afastou. Ao observar o sol que raiava sem medo de coisa alguma, inspirar a intensa maresia, sentir a forte canção das ondas e contemplar o trajeto arenoso já surrado, seu coração bateu outra vez, era hora de prosseguir.

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